Para muitos, isto pode ser estúpido. Nunca terão talvez tamanha afectividade perante um objecto inanimado. Mas eu simplesmente não resisti a mencionar este objecto em particular. A mencioná-la, a ela, que me tem acompanhado há tão pouco tempo, mas com quem tenho aprendido a crescer.
Hoje encontrei uma racha. Não pude resistir a percorrer com o dedo a fina linha onde aquela madeira preciosa que só uma verdadeira Alhambra possui se encontrava dividida. E foi daquelas coisas que te deixam fora de ti, que conseguem deitar um gajo ao chão. Quando acordas daquele sonho, é veres o regresso à realidade num momento súbito e aperceberes-te de que o mundo te caiu em cima.
Ela veio quando eu tinha uns meros 11 anos. Basicamente, foi uma altura na minha vida em que estava decidido que eu já não poderia continuar a viver sem música. A música nunca foi algo que me encontrou no meu decorrer ainda prematuro, apenas creio que nasci com ela no meu interior, e nesta altura alguém lá em cima se lembrou de a libertar para um espaço mais amplo, de modo a que eu e ela fôssemos um só. Meu, foi das grandes escolhas da minha vida (ainda que sendo novo, também não foram muitas as minhas escolhas a uma grande escala). Tinha tantas opções à minha frente e, no entanto, o sonho daquele rapaz de 11 anos concretizou-se quando recebeu a guitarra nas mãos. Uma Alhambra, com mais de 40 anos, que passava agora para uma nova geração com tenções de que desse momento em diante seria eu o responsável por ela.
Passaram quase 4 anos desde então. 4 anos com a minha guitarra (recentemente baptizada de ''Filipa'', devido a um capricho de certa amiga minha). 4 anos em que, com a guitarra, dei início a um longo processo de aprendizagem interior, tanto na música como na minha forma de ser. Sempre a considerei um ser, uma pessoa, uma amiga. Os meus piores momentos foram passados como apoio sempre constante dela, alturas em que só ela me valeu. Não falo dos melhores, mas com certeza que muitos desses momentos ocorreram graças a ela. Foram alturas em que nenhum amigo de maneira alguma me poderia sustentar, que ela esteve lá. Cheguei apenas a fechar-me no quarto, a refugiar-me no telhado em momentos de maior dor, e levava-a para lhe falar. E lá estava ela para me ouvir. E nunca teceu comentário algum sobre as coisas que lhe contei, mas eu sei que ela me ouvia.
Agora, chegava a casa para ver que algo não tinha corrido bem, e ao tocar-lhe de novo senti a pesada marca. A prova de que, nos últimos tempos, não lhe dei a importância que devia. Fui descuidado e senti-me abalado por uma tristeza. Não daquelas que sentimos quando um amigo se vai embora. Mas um pequeno aperto no estômago. Por pensar que está velha. É verdade, eu sei, eu sinto-o quando a toco, quando puxo por ela, quando percebo que ela já está a dar o melhor de si, e que não dá tanto quanto já terá dado nos seus melhores tempos.
Escrevi talvez mais uma vez sem sentido. Voltarei a escrever quando ela partir de vez, mas eu acredito que posso fazer com que ela dure mais e me ajude mais uma vez. É estranho escrever para um objecto. É a primeira vez que o faço, com esperança que seja a última.
Miguel
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